sexta-feira, 19 de maio de 2017

Campo Pequeno consagrou a suprema maestria do novo Moura!

João Moura Jr. atingiu ontem o patamar de primeiríssima
figura, consagrando a sua posição após dez anos de
alternativa a marcar sempre a diferença
Miguel Moura emocionou pelos terrenos que pisou. António
Ferrera
triunfou sem, contudo, deslumbrar


Miguel Alvarenga - Não foi, não era, fácil para a empresa gerir a situação causada pela baixa de Pablo Hermoso de Mendoza, por lesão sofrida dois dias antes, na corrida de ontem, segunda da histórica temporada de alto nível em que se comemoram os 125 anos da inauguração do Campo Pequeno. Houve cavaleiros (primeiras figuras) contactados para fazer a substituição, mas invocaram os mais diversos motivos, uns mais plausíveis que outros, para declinar o convite. Não é fácil substituir um toureiro que é, inequivocamente, insubstituível.
Optou a empresa por trazer um matador - decisão que alguns ressabiados escribas criticaram, mas que foi brilhante, sobretudo se tivermos em conta que se vive actualmente uma época de ressurgimento do toureio a pé e sobretudo, ainda mais, por se tratar de António Ferrera, que já estava nos planos da empresa trazer a Lisboa na segunda metade da temporada e que assim veio num momento mais lógico e oportuno, uma semana depois de ter sido aclamado máximo triunfador da Feira de Sevilha.
Claro que com Hermoso a praça teria registado, como sempre acontece, uma maior entrada, mas a verdade é que o público e os aficionados reagiram positivamente à entrada de Ferrera no cartel, preenchendo três quartos fortes das bancadas e só 37 espectadores foram à bilheteira devolver as suas entradas - o que não é significativo e comprova a aceitação que a substituição teve. Com Ferrera, embora noutros moldes de cartel, manteve-se o nível e a expectativa da corrida.

Definitiva e inequívoca consagração de João Moura Jr.

E a noite ficou marcada pela definitiva e inequívoca consagração de João Moura Jr. como primeiríssima figura do toureio equestre actual, voltando a marcar a diferença e a distanciar-se do pelotão. Quarenta anos depois da revolução mourisca, há hoje um novo Niño Moura a mandar na Festa.
Os toiros da ganadaria Charrua não foram dóceis, como costumam ser os eleitos por toureiros como Pablo Hermoso e os Moura para a prática do seu toureio templado e de arte. Tinham pouca cara e pouca força, pelo que não transmitiram o suficiente. Estavam no limite da fronteira entre o toiro de verdade e o toiro “amiguinho” do toureiro. Mas acabaram por dar alguma emoção, muito por obra e graça da forma como João e Miguel os tourearam, pisando terrenos de compromisso, entrando por eles dentro em palmos de terreno, procurando que brilhassem com a transmissão que eles não tinham e os dois cavaleiros quase os obrigaram a ter e a dar.
João Moura Jr. esteve em plano de grande superioridade e de uma imensa maturidade, resultado da força que ganhou e que impôs em dez anos de alternativa e de brilhantismo nas primeiras praças de todo o mundo. A forma e a atitude com que lidou, com que bregou, com que cravou e com que templou e rematou as sortes deixaram o público em verdadeiro delírio e trouxeram à memória de todos as noites de glória imortal vividas na antiga praça por seu pai nos anos de ouro.
O novo Moura disse ontem claramente que Portugal tem finalmente, outra vez, uma grande figura do toureio a cavalo. Venham mais dez anos, que ontem ficou decretada uma nova e inspirada revolução.

Miguel também é um Moura!

Miguel Moura afina pelo mesmo diapasão. É outro Moura e isso quer dizer tudo. Foi ao Campo Pequeno para competir e para afirmar, também, a grandeza do seu toureio de emoção.
Esteve enorme a bregar e a lidar e as duas actuações foram em crescendo pelo risco e a ousadia com que atacou os toiros, de menor investida, provocando-os num palmo de terreno, entrando decidido por eles dentro, cravando de alto a baixo com emoção e com arte.
Num outro patamar, obviamente, Miguel reafirmou ontem também a sua intuição, a sua veia mourista e o grande valor da sua tauromaquia, baseada no conceito paterno e nas bases do grande Mestre que, há quatro décadas, deixou a Monumental de Madrid virada do avesso, decretando que a partir de então era assim, como ele impôs, que se haveria de passar a tourear a cavalo.
Os dois filhos renderam ontem a maior das homenagens e o mais bonito dos tributos que se podiam brindar ao Maestro João Moura. Foi ele o inovador. São eles os seus mais dignos sucessores.

Ferrera, um maestro renascido

António Ferrera tinha o selo de um toureiro lutador e de menor classe. Renasceu em Sevilha, depois de ter estado dois anos parado por uma arreliadora lesão. E ontem foi um novo Ferrera, transformado em maestro de classe e exímio lidador, que vimos no Campo Pequeno. Triunfou sobretudo no terceiro toiro da noite, sem contudo deslumbrar em absoluto.
O primeiro toiro de Manuel Veiga tinha uma investida franca e permitiu ao matador destacar as suas novas qualidades artísticas. António Ferrera toureou com classe e profundidade de capote desenhando bonitas “verónicas”, bandarilhou com o poderio de sempre, dando a impressão de que o difícil até era fácil, empolgando. Com a muleta, templou com arte bonitas séries de “derechazos” e desenhou uma faena ligada e de grande maestria.
O segundo toiro de Manuel Veiga era mais complicado e exigente e Ferrera não o deixou mandar, mandando ele, corrigindo as investidas, conseguindo séries de muito boa nota, revelando-se um lidador nato, mas agora um toureiro inspirado e de fino recorte, em plano de superior maestria. O público reconheceu-lhe a nova imagem e premiou-o com aplaudidas voltas à arena nos dois toiros.

Lisboa e Évora: noite triunfal para os Forcados

Nas pegas, sem que os Charruas facilitassem, os Forcados de Lisboa e os de Évora estiveram ontem em nível superior. Pelos anfitriões pegaram o cabo Pedro Maria Gomes (à primeira) e João Varanda (à segunda), que citou sózinho e consumou sem ajudas a pega, só entrando os companheiros depois de ele a ter executado e aguentado os primeiros embates, recriando desta forma uma sorte que era característica do imortal Nuno Salvação Barreto.
Pelos eborenses, pegaram com brilhantismo e à primeira o actual cabo e o futuro cabo, respectivamente António Alfacinha e João Pedro Oliveira, evidenciando ambos a classe e a arte que os destaca há vários anos.
Realce, por que merecido, para as intervenções dos bandarilheiros Diogo Malafaia e Benito Moura, João Ganhão e Marco Sabino e ainda para a quadrilha de Ferrera, em especial para Montoliú.
Direcção acertada de João Cantinho, que pecou apenas pelo atraso com que concedeu música a João Moura Jr. no quarto toiro da ordem.

Homenagem, sem brindes, ao Real Club Tauromáquico

Ao início da corrida foi prestada a anunciada homenagem ao Real Club Tauromáquico Português pela comemoração do seu 125º aniversário, mas depois nenhum dos toureiros ou dos forcados se lembrou da efeméride e de brindar aos seus dirigentes…
De lamentar, ainda, a falta de educação - e de cultura taurina, que é coisa que por cá vai escasseando - de algum público do Campo Pequeno, que abandonou as bancadas antes de António Ferrera dar a volta à arena no último toiro da noite. Falta de respeito pelo toureiro. Coisa feia. Mas, infelizmente, muito portuguesinha…

Fotos Maria Mil-Homens